Hoje talvez impossível de ser imaginado, no centro da cidade - praças da Bandeira e J.J. Pedreira, Avenida Senhor dos Passos e trecho da Getúlio Vargas - todo esse trecho decorado garantia ao centro da cidade um verdadeiro clima de festa
Lembrar velhas micaretas, talvez não tão velhas assim, das décadas de 1970/1980 é lembrar também das colombinas, dos pierrôs, das marchinhas, dos trios elétricos sem cantor, das ruas decoradas e do saudoso argentino Charles Albert, o mago das fantasias que, ao lado de André, enriqueceu a festa com banhos de talento!
Micareta sem decoração de rua, sem escolas de samba, sem blocos e batucadas, sem confete e serpentina, sem Charles Albert e André é Micareta, mas não é aquela dos tempos dourados! É como a seleção brasileira de futebol sem Pelé, Garrincha e Nilton Santos. É a seleção brasileira, mas não é aquela seleção. O tempo tem o poder de mudar tudo, até mesmo as rochas, que sofrem desgaste com a erosão. Todavia, quando já não existe alguém ou algo que foi importante e que admirávamos, lembrar é reconhecer o seu valor.
Falar da beleza da antiga Micareta, que fazia desabrochar amores em meio a pulos e sorrisos, com pierrôs, colombinas e arlequins ao som do trio elétrico original (violão, cavaquinho e percussão) e em fase de transição para o trio com vocalista, ou cantando “Colombina, eu te amei, mas você não quis...” é ingressar em um cenário encantador, hoje talvez impossível de ser imaginado, no centro da cidade - praças da Bandeira e J.J. Pedreira, Avenida Senhor dos Passos e um pouco da Getúlio Vargas (até a Praça de Alimentação).
Todo esse trecho decorado garantia ao centro da cidade um verdadeiro clima de festa, exalando o calor de corpos e da felicidade que pairava em meio a lampejos do lança-perfume, ainda usado de forma discreta e sem o aspecto negativo que viria a ganhar tempos depois. Cada ano, a decoração da Micareta tinha um tema diferente e era produzida por diferentes artistas plásticos da cidade. Havia concursos para a escolha dos melhores entre as escolas de samba, blocos e trios elétricos. Do mesmo modo, nos clubes sociais - Feira Tênis Clube, Clube de Campo Cajueiro, Euterpe Feirense, Clube dos Soldados, Ali Baba e outras agremiações menores - havia bailes extremamente concorridos.
Em tudo isso, não poderia deixar de ser incluída uma presença especial, não nativa, mas tão afeita ao dia a dia de Feira de Santana e da Micareta que jamais deveria ser olvidada: Charles Albert e seu irmão afetivo André. Cantores do grupo musical Los Mexicanitos e depois dos Los Mariaches, ambos de origem mexicana, em uma de suas extensas excursões, colocaram seus pés nas terras de Senhora Santana, por volta de 1967, e se recusaram a seguir viagem.
Artistas de extraordinária qualidade - Charles e André, argentino e chileno - tornaram-se feirenses, como os mais apaixonados dos nativos. Ótimos tapeceiros, preferiram deixar os microfones e as luzes dos palcos para produzir tapeçarias, pinturas, desenhos e decorações em um ateliê instalado na Avenida Sampaio, antigo ABC, em frente ao prédio onde hoje funcionam as secretarias municipais de Administração e Planejamento.
Entre as décadas de 1970/1980 e um pouco mais, além de contribuir na decoração do “sítio da festa”, como era denominado o polo da Micareta, e na produção de luxuosos carros alegóricos nos quais desfilavam as majestades da folia (rainha, princesas e rei momo), Charles Albert, sempre auxiliado por André, produziu fantasias ricas e luxuosas que competiam em qualidade com similares elaboradas por artistas de absoluto renome como Clóvis Bornay, Jesus Henrique, Evandro de Castro Lima, Mauro Rosas e Wilza Carla, os grandes astros do carnaval carioca, e com eles competia no famoso baile Caju de Ouro, que levava a elite da sociedade feirense e de Salvador ao Clube de Campo Cajueiro.
Mais do que isso, graças à exuberância dos seus trabalhos, Charles Albert levou o nome de Feira de Santana ao Rio de Janeiro, onde desfilou, em igualdade de condições ao lado dos maiores nomes do carnaval da Cidade Maravilhosa, no Teatro Municipal e nos clubes Sírio Libanês e Monte Líbano, arrancando elogios da crônica especializada carioca. Dono de uma notável capacidade criativa, Charles montou carros alegóricos de indiscutível beleza, que foram destaques na Micareta, e monumentais fantasias. Os Fabulosos Tesouros de Machu Picchu, A Dama dos Espelhos, Cleópatra, a Rainha do Nilo, Dom Pedro e a Marquesa de Santos foram algumas das luxuosas fantasias produzidas por Charles e seu irmão André. Todavia, o momento mais marcante do argentino-feirense foi sua apresentação no Rio de Janeiro, em 1970, com a fantasia “México, Passado e Presente”, inspirada na vitoriosa participação do Brasil, tricampeão da Copa do Mundo, realizada naquele ano no México, e que valeu a Charles o primeiro lugar no desfile de fantasias do Clube Monte Líbano.
Depois de viver e trabalhar durante alguns anos em uma casa na Avenida Sampaio, os dois artistas construíram um belo ateliê no bairro Santa Mônica, na época ainda em formação, onde deram continuidade à exitosa carreira, produzindo tapeçarias, pinturas (óleo sobre tela, pastel, espátula e outras técnicas), fantasias, roupas e adereços diversos. Charles, nascido em 1918 em Missiones, na Argentina, faleceu nesta cidade, aos 74 anos de idade, em 1992, mas seu nome permanece vivo, integrando a galeria dos grandes artistas que aqui estiveram e muito contribuíram para o engrandecimento da Princesa do Sertão.
Por: Zadir Marques Porto
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